A triagem neonatal é uma estratégia de saúde pública voltada à detecção de doenças genéticas, metabólicas, endócrinas e hematológicas em recém-nascidos, por meio de um exame simples e não invasivo — o chamado teste do pezinho. O procedimento inclui a identificação das hemoglobinopatias, um grupo de doenças genéticas hereditárias causadas por mutações nos genes que codificam as cadeias globínicas da hemoglobina.
O diagnóstico precoce das doenças rastreadas permite intervenções como acompanhamento especializado, vacinação específica e profilaxia com antimicrobianos. Sem diagnóstico e tratamento precoce, essas doenças podem evoluir para quadros graves, incluindo anemia severa, infecções recorrentes, acidente vascular cerebral, atraso no desenvolvimento e, em casos mais críticos, óbito.
Diante dessas possíveis complicações, a triagem neonatal ocupa um papel estratégico na saúde pública brasileira. É um procedimento garantido por legislação federal a todos os recém-nascidos no país, sendo um marco nas políticas de saúde. Sua relevância se deve à alta prevalência dessas doenças na população brasileira2.
No Brasil, cerca de 7,5 milhões de adultos são portadores de hemoglobinopatias, o equivalente a 3,7% da população adulta, conforme dados da Revista Brasileira de Epidemiologia. A prevalência é maior na raça negra e, no Brasil, a região nordeste concentra os casos da doença reflexo da migração refletindo a influência de fatores genéticos e étnicos.
Também há variações regionais, com maior concentração de casos no Nordeste e Sudeste, além de associações com menores níveis de escolaridade. Esses dados reforçam a importância de estratégias de rastreamento sistemático e precoce, sobretudo em um país marcado por ampla diversidade étnico-racial e alta taxa de miscigenação3.
Atuação multiprofissional na triagem neonatal: da coleta à condução clínica das hemoglobinopatias
A triagem neonatal não é apenas um exame laboratorial: trata-se de uma estratégia integrada que depende da atuação qualificada e atenta dos profissionais de saúde em todas as etapas do cuidado. Desde o nascimento do bebê, esses profissionais são responsáveis pela detecção precoce das hemoglobinopatias e pela condução clínica adequada dos casos.
Os profissionais de saúde devem realizar a triagem neonatal no período ideal — entre o 3º e o 5º dia de vida —, orientar os responsáveis legais sobre a importância do exame e assegurar a correta interpretação e condução dos casos com resultados alterados. Eles têm a responsabilidade de reconhecer os sinais clínicos iniciais, intervir diante das intercorrências e oferecer acompanhamento informativo aos cuidadores.
Para apoiar essa atuação clínica, especialmente em contextos mais complexos, laboratórios especializados desempenham um papel importante. O Laboratório DLE oferece suporte técnico aos profissionais de saúde, com laudos analíticos completos, apoio na interpretação de resultados complexos e materiais com atualização clínica.
O que são as hemoglobinopatias?
As hemoglobinopatias são doenças genéticas que afetam a hemoglobina, proteína presente nos glóbulos vermelhos (eritrócitos) e responsável pelo transporte de oxigênio dos pulmões para os tecidos do corpo. Essas condições são hereditárias e, em sua maioria, transmitidas de forma autossômica recessiva. Por isso, indivíduos assintomáticos podem ser portadores (heterozigotos), enquanto outros desenvolvem formas sintomáticas (homozigotos ou heterozigostos compostos)8.
As alterações ocorrem por mutações nos genes que codificam as cadeias globínicas da hemoglobina e resultam em distúrbios tanto na sua síntese quanto na estrutura. Como consequência, pode haver comprometimento da função da hemoglobina, distúrbios funcionais nas hemácias, redução da oxigenação tecidual, anemia e complicações sistêmicas.
Principais tipos de hemoglobinopatias
Doença Falciforme
A doença falciforme é uma condição hereditária caracterizada por uma mutação no gene da beta-globina, levando à produção da hemoglobina S (HbS). Sob certas condições, como baixa oxigenação, as hemácias se deformam, assumindo uma forma de foice, o que compromete sua flexibilidade e capacidade de transporte de oxigênio. Essa deformação pode causar obstruções nos vasos sanguíneos, resultando em episódios de dor intensa, anemia crônica, icterícia e aumento do risco de infecções. A forma mais grave da doença ocorre em indivíduos homozigotos para a HbS (HbSS).
Talassemias
As talassemias são um grupo de anemias hereditárias causadas por mutações que afetam a produção das cadeias globínicas da hemoglobina. Os sintomas incluem palidez, icterícia, atraso no crescimento, aumento do baço e alterações ósseas8.
Dependendo da cadeia afetada, são classificadas em alfa ou beta-talassemias. A talassemia beta, por exemplo, pode se apresentar em formas variáveis8:
Talassemia maior (anemia de Cooley): forma grave que requer transfusões regulares desde a infância.
Talassemia menor (traço talassêmico): geralmente assintomática ou com anemia leve.
Talassemia intermediária: sintomas moderados, podendo necessitar de transfusões ocasionais.
Talassemia maior (anemia de Cooley): forma grave que requer transfusões regulares desde a infância.
Outras variantes estruturais da hemoglobina
Além da HbS, existem outras variantes estruturais da hemoglobina, como HbC, HbD, HbE e HbO-Arab. Essas anormalidades resultam de substituições de aminoácidos nas cadeias globínicas e podem alterar as propriedades da hemoglobina. Tais alterações são, em muitos casos, clinicamente silenciosas ou podem levar a quadros clínicos variados quando combinadas com outras mutações7.
Diretrizes e dados epidemiológicos da triagem neonatal: fundamentos para o diagnóstico e cuidado das hemoglobinopatias no Brasil e no mundo
No Brasil, a implementação de protocolos para triagem e manejo das hemoglobinopatias começou a ganhar força na década de 1990, impulsionada por estudos que evidenciaram a alta prevalência dessas doenças, especialmente entre a população afrodescendente.
Essa realidade evidenciou a necessidade de expandir e qualificar a triagem neonatal como estratégia fundamental de saúde pública. Em 2001, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), que ampliou o teste do pezinho para incluir a detecção de hemoglobinopatias. Esse programa estabeleceu diretrizes para a coleta de amostras, análise e acompanhamento dos casos identificados2.
Aproximadamente 3,7% da população adulta brasileira apresenta alguma hemoglobinopatia: 2,49% têm traço falciforme, 0,30% têm talassemia menor, e 0,80% têm suspeita de talassemia maior3. A doença falciforme acomete cerca de 1 a cada mil nascidos no Brasil, sendo mais prevalente na Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco, Minas Gerais e Goiás.
Além do impacto nacional, a alta prevalência das hemoglobinopatias também se reflete em âmbito global. Estima-se que cerca de 7% da população mundial seja portadora de alguma hemoglobinopatia clinicamente significativa. A cada ano, aproximadamente 300 a 500 mil crianças nascem com formas graves da doença, como a doença falciforme e a beta-talassemia, especialmente em países de baixa e média renda.
Diante dessa situação, organizações internacionais, como a American Society of Hematology (ASH) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), estabeleceram diretrizes específicas para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento das hemoglobinopatias.
Essas diretrizes recomendam a triagem universal de recém-nascidos, com coleta idealmente realizada entre o 3º e o 5º dia de vida — conforme preconizado no Brasil —, além da confirmação diagnóstica por HPLC e eletroforese, tratamento com hidroxiureia, uso de antibióticos, profilaxia vacinal e transfusões quando necessárias, além de aconselhamento genético2.
Inovação no diagnóstico neonatal: tecnologia de alta resolução na detecção das hemoglobinopatias
A triagem neonatal utiliza tecnologias de alta resolução para detectar alterações da hemoglobina. No Laboratório DLE, são utilizados métodos laboratoriais integrados a painéis de triagem com espectrometria de massas, aumentando a sensibilidade diagnóstica.
Métodos laboratoriais utilizados na triagem neonatal:
- Eletroforese de hemoglobina: técnica clássica que permite a separação das frações de hemoglobina com base em sua mobilidade elétrica. Identifica variantes como HbS, HbC, HbD e HbE7.
- Cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC): método de referência devido à sua capacidade de separar e quantificar frações hemoglobínicas com elevada sensibilidade e especificidade. Essa técnica permite a detecção de múltiplas variantes, mesmo em pequenas concentrações7.
- Testes moleculares: utilizados principalmente em situações com resultados inconclusivos ou quando há necessidade de confirmação diagnóstica definitiva. Eles permitem a identificação de mutações específicas nos genes que codificam as cadeias globínicas, como HBA1, HBA2 (alfa) e HBB (beta), sendo especialmente úteis para a detecção de formas silenciosas de talassemias ou variantes estruturais complexas7.
Além de complementarem técnicas como a eletroforese e a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), esses testes são fundamentais para esclarecer casos em que as alterações não são detectáveis pelos métodos convencionais7.
Essas tecnologias ganham ainda mais relevância clínica quando aplicadas de forma integrada, como ocorre no Laboratório DLE. Nesse contexto, os testes moleculares compõem painéis ampliados de triagem neonatal, combinando metodologias como biologia molecular e espectrometria de massas em tandem. Essa abordagem tecnológica avançada proporciona maior precisão diagnóstica, representando um diferencial importante em comparação à triagem básica.
Confirmação diagnóstica estruturada: da detecção inicial à validação laboratorial em hemoglobinopatias
Quando um resultado alterado é identificado na triagem neonatal, é necessário iniciar um processo estruturado de confirmação diagnóstica. Durante todo o processo, o Laboratório DLE oferece assessoria técnico-científica especializada, com equipe multiprofissional capacitada para interpretar resultados complexos, apoiar condutas clínicas e orientar profissionais e familiares. Dando continuidade ao processo, o paciente é reconvocado para uma nova coleta de sangue, sem custos adicionais. Casos críticos são comunicados imediatamente, sendo oferecido suporte por equipe multiprofissional. Em casos de transfusão prévia, recomenda-se repetir a coleta após 90 dias15.
Aconselhamento genético: ferramenta estratégica para o cuidado familiar
O aconselhamento genético orienta os familiares sobre a transmissão hereditária, riscos reprodutivos e estratégias de cuidado. Nos serviços públicos, o acesso ao aconselhamento genético ainda é limitado; nesse cenário, o Laboratório DLE se diferencia por estruturá-lo como componente central de sua atuação diagnóstica. Ele oferece apoio técnico especializado, com equipe multiprofissional capacitada para interpretar variantes genéticas e orientar condutas complementares14.
Inovação laboratorial e perspectivas para o cuidado integral
Médicos e equipes de saúde são responsáveis pela orientação às famílias, interpretação dos exames, encaminhamento aos centros de referência e acompanhamento longitudinal. A capacitação contínua dessas equipes — por meio de programas de educação permanente, atualização em protocolos e acesso a ferramentas de apoio técnico — fortalece a qualidade da assistência e reduz a ocorrência de complicações evitáveis.
Para complementar a atuação das equipes de saúde, importantes avanços tecnológicos surgiram nas últimas décadas. A incorporação de tecnologias sensíveis, como a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) e testes moleculares, viabilizou diagnósticos mais precoces e abrangentes, mesmo em casos assintomáticos ou de variantes raras da hemoglobina. Esses avanços têm contribuído para reduzir a morbimortalidade e fortalecer as redes de atenção6. A contribuição de laboratórios especializados, como o DLE, representa um pilar central nessa estratégia. A instituição se destaca ao oferecer painéis ampliados, suporte técnico especializado, aconselhamento genético e materiais de educação médica.
.
.
.
.
.
Referências:
BRASIL. Ministério da Saúde. Diagnóstico laboratorial das hemoglobinopatias. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diagnostico_laboratorial_hemoglobinopatias.pdf. Acesso em: 25 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Saúde. Doença falciforme: diretrizes básicas da linha de cuidado. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doenca_falciforme_diretrizes_basicas_linha_cuidado.pdf. Acesso em: 25 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual técnico de triagem neonatal biológica. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/triagem_neonatal_biologica_manual_tecnico.pdf. Acesso em: 25 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Saúde. Triagem neonatal: manual técnico. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/triagem_neonatal.pdf. Acesso em: 25 abr. 2025.
DLE. Áreas de atuação – EMT no Teste do Pezinho. Disponível em: https://www.dle.com.br/areas-de-atuacao/triagem-neonatal-teste-do-pezinho/emt-no-teste-do-pezinho/. Acesso em: 25 abr. 2025.
DLE. Áreas de atuação – Nova era da triagem neonatal. Disponível em: https://www.dle.com.br/areas-de-atuacao/triagem-neonatal-teste-do-pezinho/nova-era/. Acesso em: 25 abr. 2025.
DLE. Hemoglobinopatias: as doenças genéticas consideradas um problema de saúde global. Disponível em: https://www.dle.com.br/hemoglobinopatias-as-doencas-geneticas-consideradas-um-problema-de-saude-global. Acesso em: 25 abr. 2025.
DLE. Livreto teste do pezinho [versão 2021]. Disponível em: https://www.dle.com.br/wp-content/uploads/2021/12/livreto-teste-do-pezinho-dle.pdf. Acesso em: 25 abr. 2025.
DLE. Livreto teste do pezinho [versão 2022]. Disponível em: https://www.dle.com.br/wp-content/uploads/2022/12/livreto-teste-do-pezinho-dle.pdf. Acesso em: 25 abr. 2025.
DLE. Livreto teste do pezinho [versão 2023]. Disponível em: https://www.dle.com.br/wp-content/uploads/2023/10/LivretoPezinhoDLE_v3_2023_otm.pdf. Acesso em: 25 abr. 2025.
DLE. Triagem neonatal de doença falciforme: cuidados necessários quando bebês são submetidos à transfusão sanguínea. Disponível em: https://www.dle.com.br/triagem-neonatal-de-doenca-falciforme-cuidados-necessarios-quando-bebes-sao-submetidos-a-transfusao-sanguinea/. Acesso em: 25 abr. 2025.
MSD MANUAL. Hemoglobinopatias – visão geral. Manual MSD. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/hematologia-e-oncologia/anemias-causadas-por-hem%C3%B3lise/vis%C3%A3o-geral-da-hemoglobinopatias. Acesso em: 25 abr. 2025.
SANTOS, Helena Pimentel dos; DOMINGOS, Claudia Regina Bonini; CASTRO, Simone Martins de. Twenty years of neonatal screening for sickle cell disease in Brazil: the challenges of a continental country with high genetic heterogeneity. Journal of Inborn Errors of Metabolism and Screening, São Paulo, v. 9, e20210002, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jiems/a/zrsTLtrTJ945FmbYcTYb5pN/. Acesso em: 1 maio 2025.
SILVA, G. et al. Triagem neonatal no Brasil: um olhar sobre a política pública. Revista de Enfermagem da UFSM, Santa Maria, v. 4, n. 2, p. 365–375, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistasaude/article/view/15072. Acesso em: 25 abr. 2025.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Management of haemoglobin disorders: report of a joint WHO/TIF meeting, Nicosia, Cyprus, 16–18 November 2007. Geneva: WHO, 2008. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/43969/9789241597128_eng.pdf. Acesso em: 1 maio 2025.
ZAGO, M. A.; PINTO, A. C. V. Sickle cell anemia: a challenge for the hematologists of the century. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, v. 41, n. 5, p. 365–366, 2019. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31596378/. Acesso em: 25 abr. 2025.