Doenças Metabólicas Hereditárias: diagnóstico moderno e ampliado

As Doenças Metabólicas Hereditárias (DMH) constituem um grupo de doenças e condições genéticas decorrentes de mutações que comprometem o funcionamento de uma via metabólica específica, relacionada ao processamento ou armazenamento de moléculas, como carboidratos e proteínas. Tais alterações levam a um acúmulo tóxico ou a uma deficiência, gerando desequilíbrio químico no organismo e o aparecimento de manifestações clínicas.

Com 1450 doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças Metabólicas Hereditárias (ICIMD), a subdivisão dessas enfermidades está tipicamente relacionada ao substrato afetado – os distúrbios do metabolismo dos aminoácidos, dos carboidratos, dos ácidos graxos e de purinas e pirimidinas. Porém, conforme novas técnicas são desenvolvidas para a identificação de fenótipos bioquímicos, mais distúrbios são descritos pela ciência.

As DMH podem causar sequelas irreversíveis ao indivíduo, especialmente quando diagnosticadas tardiamente e, inclusive, levar a óbito precoce. Muitas delas, no entanto, podem ter seu desenvolvimento contido a partir da identificação e intervenção nos primeiros dias ou meses de vida, o que se apresenta como um desafio diante da complexidade clínica, a existência e sobreposição de sintomas inespecíficos e a falta de conscientização sobre o tema. Em média, o diagnóstico ocorre aos 4,3 anos, quando, em muitos casos, danos irreparáveis já foram instalados, mesmo com sintomas presentes desde o primeiro ano de vida.

Embora tratem-se de distúrbios considerados raros individualmente, coletivamente eles representam um significativo impacto na população, podendo ser responsáveis por cerca de 33% das mortes reportadas em países em desenvolvimento.² Dessa forma, o rastreio no período neonatal se mostra um aliado essencial na mitigação de riscos e aumento da qualidade da saúde e expectativa de vida dos indivíduos afetados.

O Teste do Pezinho é um exame neonatal que permite a investigação de doenças metabólicas hereditárias de maneira precoce. E, quanto mais ampliado o teste, maior é a sua capacidade de investigar genes relacionados a esses distúrbios, oferecendo diagnósticos mais amplos e precisos. Quando a condição é identificada pouco após o nascimento, as chances de evitar sequelas irreversíveis e preservar o desenvolvimento neurológico do paciente aumentam expressivamente, sendo essa uma janela de oportunidade crucial para o início do tratamento das Doenças Metabólicas Hereditárias.

Panorama atual e o desafio diagnóstico

No Brasil, a estimativa de prevalência dos Erros Inatos do Metabolismo é de aproximadamente 1 caso para cada 2,5 mil nascidos vivos. O Ministério da Saúde aponta que, em cinco anos, mais de 17 mil recém-nascidos foram diagnosticados com algum distúrbio do metabolismo detectável.⁴

Nos adultos, a jornada diagnóstica das DMH pode ser ainda mais complexa, especialmente devido a uma sintomatologia inespecífica e similar a outras doenças. Ainda assim, o rastreio genético demonstra ser um caminho promissor para esses casos: um estudo clínico envolvendo mais de 27 mil pacientes revelou que a utilização do sequenciamento do genoma e exoma foi capaz de concluir o diagnóstico em 11% dos adultos com distúrbios neurológicos de causa indefinida.²

Para se ter uma ideia, embora a maior parte dos adultos com DMH demonstrem sinais neurológicos, a média de tempo desde o início dos sintomas até o diagnóstico é de cerca de 15 anos², uma jornada geralmente desgastante, custosa e frustrante tanto para o paciente quanto para a equipe médica. 

Por outro lado, o impacto positivo do rastreio neonatal para essas condições é notável. Um estudo realizado pelo Boston Children’s Hospital apontou que, dentre os recém-nascidos diagnosticados a partir da triagem neonatal expandida, somente 2% apresentam desfechos graves em sua doença, comparado com 42% das crianças que receberam diagnóstico clínico.

Além disso, dentre os casos identificados no período neonatal, o escore médio do quociente intelectual (QI) foi de 103±17. Já entre os pacientes com diagnóstico tardio, o escore foi de 77±24, demonstrando um fator claro de prevenção de acometimento neurológico.⁷

Outro aspecto de grande relevância no manejo das Doenças Metabólicas Hereditárias é a abordagem multidisciplinar do tratamento, sendo necessária a articulação entre pediatra, nutricionista, equipe de reabilitação e outras especialidades médicas, como o médico geneticista, nutrólogo, neurologista infantil, além de laboratórios de referência, visando um plano de ação integrado e abrangente.

DMH e o neurodesenvolvimento

Para além de disfunções em órgãos e sistemas, tais como mau funcionamento ou insuficiência hepática, renal e cardíaca, bem como alterações no metabolismo dos músculos (miopatias), as Doenças Metabólicas Hereditárias podem afetar o sistema nervoso e manifestarem-se por meio de sinais e sintomas neurológicos.

Muitos desses são inespecíficos, o que torna o diagnóstico mais desafiador, sendo a detecção precoce particularmente importante para evitar a progressão e degeneração do quadro clínico².

Acometimentos encontrados em indivíduos com DMH incluem crises convulsivas (epilepsia), distúrbios do movimento, deficiência intelectual e hipotonia, psicose ou depressão, agorafobia, demência ou mudança da personalidade, dentre outros.

Tais manifestações psiquiátricas e neurológicas se apresentam em quase todos os Erros Inatos do Metabolismo que acometem o sistema nervoso. Dados apontam que 85% das Doenças Metabólicas Hereditárias conhecidas por causar atraso global no desenvolvimento intelectual em crianças foram identificadas em adultos com sintomas neurológicos¹.

Esses sinais podem aparecer tanto isoladamente quanto concomitantemente a sinais e sintomas derivados de distúrbios em outros sistemas.⁹ Dessa forma, é de alta relevância considerar a investigação de DMH diante de sintomas neurológicos inespecíficos, tanto em adultos quanto em lactentes e crianças com quadros neurometabólicos sem causa definida.

Perfil Metabólico na investigação de Doenças Metabólicas Hereditárias

No Laboratório DLE, contamos com o Perfil Metabólico para EIM. Trata-se de um conjunto de exames de alta sensibilidade e especificidade, realizado em sangue e urina, e desenvolvido para investigar Doenças Metabólicas Hereditárias. Para isso, empregamos metodologias avançadas, como a espectrometria de massas em tandem e a cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas.

O Perfil Metabólico é indicado tanto para uma triagem neonatal positiva para doença metabólica quanto para uma suspeita clínica associada a alterações bioquímicas, sendo composto por perfis para grupos de doenças específicas: Perfil de Acilcarnitinas; Perfil de Aminoácidos e Análise de Ácidos Orgânicos Urinários.

O exame pode ser considerado diante dos seguintes sinais e sintomas:

> Sintomas agudos

(Fase neonatal e lactente)

• Deterioração neurológica (letargia, coma, hipotonia, hipertonia, mioclonias, perturbações ventilatórias – taquipneia, apneia): por intoxicação aguda e recorrente; por intoxicação aguda e recorrente com sintomas hepáticos; por deficiência na produção ou utilização de energia com sintomas hepáticos ou cardíacos; por deficiência na produção ou utilização de energia com acidose láctica

• Convulsões de difícil controle

• Hipoglicemia recorrente com hepatomegalia

• Hepatomegalia, icterícia, colestase, insuficiência hepática

• Insuficiência cardíaca, cardiomiopatia, arritmias cardíacas

> Crises agudas e recorrentes de início tardio

(Fase pré-escolar, escolar, adolescente e adulta)

• Crises recorrentes de coma ou vômitos cíclicos com letargia

 coma “metabólico” (sem sinais neurológicos focais)

 coma “neurológico” (com sinais focais, convulsões ou hipertensão intracraniana)

 coma “hepático” (hepatomegalia, disfunção hepatocelular ou insuficiência hepática)

• Crises recorrentes de ataxia

• Sintomas psiquiátricos agudos (idéias delirantes, alucinações, estado confusional, histeria, agressividade, ansiedade, agitação)

• Síndrome de Reye ou “Reye-like”

• Episódios recorrentes de desidratação por perdas gastrointestinais, poliúria, hiperventilação ou sudorese excessiva, acompanhados

de diarréia grave, perda de sal, cetoacidose ou baixo ganho pôndero-estatural

• Intolerância aos exercícios e mioglobinúria recorrente (mialgia, cãibras e/ou fraqueza das extremidades associadas a aumento dos

níveis séricos de creatinoquinase – CK, e de outras enzimas sarcoplasmáticas, mioglobinúria e, algumas vezes, insuficiência renal

aguda)

• Insuficiência cardíaca aguda apresentando como etiologia subjacente cardiomiopatia ou arritmias cardíacas sem evidências de

cardiomiopatia

• Insuficiência cardíaca, cardiomiopatia, arritmias cardíacas

> Resultados de exames laboratoriais básicos

• Acidose Metabólica (pH < 7,30, PCO2 < 30 mmHg, HCO3⁻ < 15 mmol/L) com ou sem cetose

• Cetose com acidose (cetoacidose) ou sem acidose metabólica

• Hiperlactacidemia (permanente, em jejum ou pós-prandial)

• Hipoglicemia com hepatomegalia permanente

• Hipoglicemia sem hepatomegalia permanente:

– Com cetoacidose

– Com acidose, sem cetose (hipoglicemia hipocetótica)

– Com cetose, sem acidose- Sem acidose e sem cetose (hipoglicemia hipocetótica)

O diagnóstico precoce e preciso das Doenças Metabólicas Hereditárias contribui para a melhora do manejo clínico, a redução de internações e o atraso da progressão da doença e suas sequelas. Por isso, é de crucial relevância optar por um exame específico e, principalmente, contar com um laboratório de confiança, como o DLE, que é referência nacional na investigação de doenças metabólicas hereditárias.

Conte conosco para apoiar o diagnóstico e acompanhamento de seus pacientes com segurança e soluções integradas.

Fontes:

  1. Laboratório DLE. As doenças metabólicas hereditárias e suas manifestações no sistema nervoso. https://www.dle.com.br/as-doencas-metabolicas-hereditarias-e-suas-manifestacoes-no-sistema-nervoso/. Acessado em 7 de novembro de 2025. 
  2. Ijaz A, Abbas S, Shabbir M, Badshah Y, Abid F, Afsar T, Razak S (2025). Inherited metabolic disorders: presentation, clinical types, laboratory diagnosis and genetic markers. Orphanet J Rare Dis., 20, 422. http://doi.org/10.1186/s13023-025-03979-8. Acessado em 7 de novembro de 2025. 
  3. Matt Demczko, Michael SD Agus (2024). Introduction to Inherited Disorders of Metabolism. Manual MSD Versão Para Profissionais da Saúde. https://www.msdmanuals.com/professional/pediatrics/inherited-disorders-of-metabolism/introduction-to-inherited-disorders-of-metabolism. Acessado em 7 de novembro de 2025.  
  4. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Consulta pública: produtos para doenças metabólicas. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/consulta-publica-produtos-para-doencas-metabolicas. Acessado em 7 de novembro de 2025.   
  5. Laboratório DLE. Avanços na detecção de Doenças Metabólicas Hereditárias de manifestação tardia: o papel do Neuro MetaTest™. https://www.dle.com.br/artigos/avancos-na-deteccao-de-doencas-metabolicas-hereditarias-de-manifestacao-tardia-o-papel-do-neuro-metatest/#:~:text=Em%20face%20da%20grande%20sobreposi%C3%A7%C3%A3o%20cl%C3%ADnica%20de,geralmente%20tardio%20e%2C%20por%20vezes%2C%20nunca%20realizado. Acessado em 7 de novembro de 2025.   
  6. José Simon Camelo Jr (2017). Da triagem neonatal expandida à era pós-genômica. Rev. paul. pediatr., 35, 03. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2017;35;3;00017. Acessado em 7 de novembro de 2025.    
  7. Landau YE, Waisbren SE, Chan LM, Levy HL (2017). Long-term outcome of expanded newborn screening at Boston children’s hospital: benefits and challenges in defining true disease. J Inherit Metab Dis., 40, 2. https://doi.org/10.1007/s10545-016-0004-4. Acessado em 7 de novembro de 2025.   
  8. Fleury. A evolução do diagnóstico dos erros inatos do metabolismo. https://www.fleury.com.br/medico/artigos-cientificos/a-evolucao-do-diagnostico-dos-erros-inatos-do-metabolismo#:~:text=As%20altera%C3%A7%C3%B5es%20neurol%C3%B3gicas%2C%20incluindo%20crises%20epil%C3%A9pticas%2C%20dist%C3%BArbios,dist%C3%BArbios%20do%20desenvolvimento%20intelectual%20de%20etiologia%20gen%C3%A9tica. Acessado em 7 de novembro de 2025.  
  9. Alexandra Prufer de Q. C. Araújo (2004). Doenças metabólicas com manifestações psiquiátricas. Arch. Clin. Psychiatry, 31, 6. https://doi.org/10.1590/S0101-60832004000600003

DLE. Quadro de indicações para o Perfil Metabólico para EIM. Disponível em: https://dle.com.br/wp-content/uploads/2020/06/perfil_metabolico.pdf.