Quais os marcadores bioquímicos utilizados?

Alfafetoproteína (AFP)

Este marcador bioquímico é utilizado no Teste de Risco Fetal Triplo e no Integrado.

Bergstrand & Czar, 1956, descreveram a alfafetoproteína como uma nova fração protéica presente no soro fetal, mas não no materno. Na década de 60, verificou-se que a AFP é sintetizada inicialmente pelas células do saco vitelino e posteriormente pelo fígado do embrião.

A produção da AFP no saco vitelino se estende até a 11ª – 12ª semana de gestação, quando o órgão se degenega. A partir daí e durante toda a vida fetal, o fígado é o órgão responsável por sua síntese. As concentrações de AFP no soro fetal aumentam até a 13ª – 14ª semana gestacional, quando atingem o pico de 3,5 – 4,0 g/l. A partir daí ocorre uma queda exponencial, atingindo no nascimento níveis entre 10 e 250 mg/l, com níveis mais elevados observados em prematuros.

No líquido amniótico, os níveis de AFP são cerca de 300 vezes mais baixos que os do soro fetal de mesma idade gestacional, atingindo um pico de cerca de 30 mg/l entre a 12ª e a 14ª semana gestacional. A partir daí ocorre uma acentuada queda linear até a 22ª semana, seguindo-se uma queda mais gradual até o nascimento.

No soro materno, os níveis de AFP são cerca de 10.000 vezes mais baixos que no soro fetal entre a 14ª e a 22ª semana gestacional. A AFP mostra um aumento gradual no 1º e 2º trimestres, atingindo um pico no meado do 3º trimestre.

Nas gestações múltiplas os níveis de AFP estão proporcionalmente elevados.
Gestantes com diabetes insulino-dependente têm níveis de MSAFP significativamente mais baixos que gestantes não-diabéticas no 2º trimestre de gestação.

Na Tabela 1, vemos os mecanismos que podem levar ao aumento da AFP no líquido amniótico, e as condições fetais associadas a estes diversos mecanismos.

Os altos níveis de AFP no líquido amniótico nestas diversas patologias acabam produzindo uma elevação da AFP no soro materno (MSAFP).
Na Tabela 2 são mostradas as interpretações para o aumento e diminuição da AFP no soro materno.

Tabela 1: Principais condições fetais associadas à elevação da AFP do líquido amniótico e provável mecanismo fisiopatológico

Mecanismo fisiopatológicoCondições associadas
Derrame através da lesãoDefeitos de Fechamento do Tudo Neural: Anencefalia Espinha, Encefalocele, Exencefalia, Iniencefalia.
Defeitos de Fechamento da Parede Abdominal Anterior: Onfalocele, Gastroquise
Derrame através da Parede de Higroma CísticoSíndrome de Turner
Derrame por Autólise FetalMorte Fetal
Diminuição do “Clearance” (Depuração) Intestinal da AFPAtresia Esofagiana, Atresia Intestinal
Derrame através do trato urinárioNefrose Congênita, Hidronefrose, Rim Policístico
Derrame através da peleCisto Nucal, Cisto Pilonidal
Diminuição do volume de líquido amnióticoAgenesia Renal, Obstrução Uretral

Tabela 2: Interpretações possíveis para aumento ou diminuição da MSAFP

Aumento de MSAFPDiminuição de MSAFP
Idade Gestacional Subestimada: a gestão se encontra mais avançada do que supõeIdade Gestacional Sobrestimada: a gestão não se encontra tão avançada quanto se supõe
Gravidez múltiplaMola Hidatiforme ou Pseudociese
Morte fetalMorte fetal
Defeitos de Fechamento do Tubo Neural (Anencefalia, Espinha Bífida)Trissomia do 21 (Síndrome de Down) ou do 18 (Síndrome de Edwards).
Defeitos de Fechamento da Parede Abdominal Anterior (Gastrosquise, Onfalocele)
Síndrome de Turner com Higroma Cístico
Atresia Intestinal
Nefrose Congênita
Não correção para peso em gestante muito magra

Hormônio Gonodotrófico (hCG)

Este marcador bioquímico é utilizado no Teste de Risco Fetal de Primeiro trimestre, no Triplo e no Integrado.

É um hormônio glicoproteico composto de duas subunidades: alfa e beta.
O papel fisiológico da hCG é manter o corpo lúteo funcionante até a 7ª – 9ª semana de gestação. O corpo lúteo secreta vários hormônios fundamentais para esta fase inicial da gravidez: estrogênios, progesterona, 17-alfa-hidroxiprogesterona, relaxina e inibina.

A hCG passa a ser detectada no sangue materno a partir do 7º dia após a ovulação, aumentando progressivamente até atingir seu pico na 10ª semana, com níveis em torno de 50.000 a 100.000 mUI/ml. A partir daí seus níveis começam a declinar lentamente até o nascimento.

Normalmente, apenas uma pequena proporção (<1%) da subunidade beta está presente na forma livre (ß-hCG livre).

O ß-hCG (beta-hCG) livre se origina de três fontes:

  1. Secreção direta pelas células trofoblásticas;
  2. Dissociação lenta da hCG circulante;
  3. Corte (“nicking”) da hCG no tecido trofoblástico, seguida de rápida dissociação na circulação sistêmica.

Vários tipos de ensaio de hCG têm sido propostos para o rastreamento pré-natal. No rastreamento de Trissomia do 21 no 2º trimestre podem ser utilizados ensaios que medem a hCG intacta (alfa e beta) ou “total” (hCG intacta mais o ß-hCG livre), ou somente o ß-hCG livre. No DLE utilizamos o ß-hCG livre nos testes de 2º trimestre.

No rastreamento de T21 no 1º trimestre devem sempre ser utilizados os ensaios de ß-hCG livre.

Na síndrome de Down fetal é observado um aumento dos níveis de hCG (intacta, “total” e ß-hCG livre), uma característica singular desta cromossomopatia, não sendo encontrada em outras aberrações cromossômicas, com a possível exceção da Síndrome de Turner.

Nas gestações múltiplas as concentrações de hCG (intacta, “total” e ß-hCG livre) são cerca de duas vezes maiores que as concentrações nas gestações de feto único.

Estriol

Este marcador bioquímico é utilizado no Teste de Risco Fetal Triplo e no Integrado.

O estriol é um estrogênio sintetizado em grandes quantidades durante a gravidez, a partir da aromatização(aumento seletivo da aromaticidade) placentária de androgênios fetais de origem supra-renal. Sua síntese requer a interação de enzimas da supra-renal e do fígado fetais, além da placenta (vide figura abaixo).

Teste de Risco Fetal - Marcadores Bioquímicos

O sulfato de deidroepiandrosterona (DHEAS) produzido pelas supra-renais fetais, a partir do LDL-colesterol da circulação fetal, é convertido a 16 alfa-hidroxi- DHEAS no fígado fetal.

A enzima sulfatase placentária converte o 16 alfa-hidroxi-DHEAS em 16 alfa-hidroxi-DHEA livre. Este último produto é metabolizado em estriol na placenta. Portanto, para a síntese deste estrogênio placentário é necessário um feto vivo com função adrenal adequada.

Por muitos anos a dosagem de estriol urinário foi utilizada clinicamente como um marcador de bem-estar fetal no 3º trimestre.

No 2º trimestre, a dosagem do estriol não conjugado (UE3) no soro materno é realizada como parte do teste triplo.

Da mesma forma que a AFP, os níveis de UE3 são mais baixos em gestações de feto portador da T21 e da T18.

As causas mais comuns dos níveis muito baixos de UE3 são a morte fetal e a anencefalia. Mais raramente, níveis muito baixos de UE3 podem ser causados por distúrbios na síntese de esteróides na placenta ou na adrenal fetal (Tabela 3). As condições em que a síntese do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) fetal está deficiente ou suprimida por terapia materna com corticosteróides podem resultar em níveis extremamente baixos de UE3.

A deficiência de esteróide-sulfatase placentária, que é a manifestação pré-natal da Ictiose ligada ao cromossomo X, é, depois da morte fetal, a causa mais comum de UE3 extremamente baixo ou indetectável (Schleifer et al., 1995 ).

Tabela 3: Causas de Estriol Não-conjugado muito baixo

Aumento de MSAFP
Aborto espontâneo ou morte fetal
Anencefalia
Placenta:
Deficiência de esteroide-sulfatase (Ictiose ligada ao X)
Deficiência de aromatase
Causas Fetais:
Supra-renal
-Síndrome de Smith-Lemli-Opitz
-Hipoplasia adrenal congênita ligada ao X.
-Hiperplasia adrenal congênita distinta da deficiência de 21-hidroxilase
(hiperplasia adrenal lipoide; deficiência de 17-alfa-hidroxilase)

Hipófise
-Deficiência de síntese de ACTH
-Síndromes de insensibilidade ao ACTH
Causas Maternas:
-Terapia com corticosteroides

Papp-a

Este marcador bioquímico é utilizado no Teste de Risco Fetal de Primeiro trimestre e no Integrado.

Gall e Halbert, 1972 , encontraram até 4 constituintes antigênicos no plasma de mulheres grávidas, que não eram detectáveis no plasma de mulheres não-grávidas ou de homens. Lin et al., 1974 , caracterizaram estes 4 antígenos protéicos, denominando-os como proteínas plasmáticas associadas à gravidez (sigla inglesa PAPP) A, B, C, D.

Estudos posteriores demonstraram que a Proteína Plasmática A Associada à Gravidez (PAPP-A) não era específica da gravidez sendo encontrada no plasma de mulheres não-grávidas e em homens, no plasma e no líquido seminal (Bersinger e Klopper, 1984; Bischof e Mégevand, 1986).

Na mulher grávida, o principal local de síntese de PAPP-A é a placenta (sinciciotrofoblasto), sendo detectada no soro materno a partir de 5 semanas pós-concepção, e seus níveis se elevam da 1ª detecção até o nascimento (Folkersen et al., 1981).

No final dos anos 90, a função de PAPP-A foi esclarecida. Trata-se de uma metaloproteinase que cliva a Proteína 4 de Ligação a Fator de Crescimento “Insulin-Like” (IGFBP-4), ocasionando uma dramática redução da afinidade da IGFBP-4 pelo Fator de Crescimento “Insulin-Like” I (IGF-I) e II (IGF-II). PAPP-A funciona como um regulador da biodisponibilidade local de Fator de Crescimento “Insulin-Like” (IGF), em vários sistemas, incluindo a placenta, os folículos ovarianos, os ossos, e em condições patológicas, na pele lesada e nas placas ateroscleróticas.

No sistema reprodutor feminino, PAPP-A está envolvida no desenvolvimento do folículo ovariano (Conover et al., 2001) e na implantação embrionária (Giudice et al., 2002). A forma circulante no soro materno é inativa como metaloproteinase, apresentando-se com um heterotetrâmero composto de duas subunidades de PAPP-A (200-250 kDa) ligadas por pontes dissulfeto a duas moléculas de pró-MBP (“eosinophil major basic protein”).

Pacientes com doenças isquêmicas agudas do coração apresentam níveis plasmáticos elevados de PAPP-A livre, que não está sob a forma de complexos com pró-MBP (Qin et al., 2005). Assim, os métodos de dosagem de PAPP-A total utilizados na gravidez não são recomendados para o diagnóstico de doenças isquêmicas agudas do coração.

Níveis significativamente reduzidos de PAPP-A no 1º trimestre têm sido associados à síndrome de Down fetal. Brambati et al. (1993) foram os primeiros a demonstrar a associação entre baixos níveis de PAPP-A, no 1º trimestre gestacional, e anomalias cromossômicas. Uma metanálise dos resultados dos trabalhos publicados mostrou que o MoM (“multiple of the median”, múltiplo da mediana) mediano de PAPP-A em 441 casos de síndrome de Down fetal foi 0,39 (MoM mediano de gestações normais é 1,0).

PAPP-A é um marcador eficaz entre 8 e 13 semanas de gestação, perdendo sua eficácia após 13 semanas. Portanto, PAPP-A é um bom marcador na triagem da síndrome de Down fetal somente no 1º trimestre, perdendo todo o seu valor no 2º trimestre.